Largado num guarda-roupa, o perfume roxo ganho não sei de quem cheirava a cemitério. Mística e sempre alerta à influência dos maus espíritos, minha mãe achava que aquele perfume era de mau agouro. Passado longo tempo, foi esquecido. Não por mim.
Em cidade pequena nos anos 70, rede social era brincar de queimada, pega-pega. Balada era tomar refrigerante de despacho. E bullying a gente resolvia na pancada mesmo. Internet era dentro da nossa cabeça, caçando o que fazer. Não deu outra. Meio da tarde, aquele silêncio… ninguém gostava daquele perfume mesmo. Joguei gota a gota ao redor de toda a casa. Cantarolando. E sai para brincar com uma amiga.
Voltando de noitinha, toda a família e alguns vizinhos em pé conjecturando sobre um tal assunto, e uma benzedeira batendo no ar com um maço de arruda, rezando pela casa empesteada. O cemitério da cidade, com todos os seus defuntos, parecia ter se mudado para lá. Amarração, trabalho de macumba, a morte espreitando…Fiquei apenas observando por um bom tempo aquela confusão, sem entender nada. Até que tive um insight meio tardio: “mãe, será que esse cheiro não é daquele perfume roxo que eu joguei em volta da casa hoje?”
Pela primeira vez na infância fui alvo de todas as atenções.
Dormi com a orelha quente e quase rasgada, que era um método sem contestações de terapia infantil da época.