O primitivismo do nosso olhar de curto alcance sobre o propósito da nossa existência, e como ela se conjuga com o universo manifesto e suas leis inexoráveis, tem reduzido o sentido da vida humana à sua viabilização material.
A despeito dos esforços científicos e filosóficos em diferentes matizes de abordagem, que têm alavancado timidamente a curiosidade humana sobre si mesma, nos campos político e econômico permanecemos reféns da fome de dominação do outro, em modo responsivo à nossa característica primária de competitividade. Como se, mesmo superando a saga evolutiva por sobrevivência, ainda vivêssemos em cavernas, mas agora disputando o espaço de moradia não com animais perigosos, mas com o mais predador de todos: o ser humano, que se distingue dos outros animais pela possibilidade de ter consciência de si mesmo. Não obstante possuir essa capacidade, temos escolhido rotas circulares, ignorando outras dimensões existenciais e o nosso entrelaçamento com o meio ambiente, permanecendo desconhecidos de nós mesmos, em uma miserável condição de apequenamento dos nossos potenciais. Como se demarcássemos uma conquista territorial com a bandeira da vitória de Pirro, em que se lê: “sou eu que mando aqui, mas não sei quem sou, não sei para onde vou e nem o que vim fazer.”
Enfronhados nessa letargia consciencial, preferimos desperdiçar o tempo precioso da nossa transitoriedade no mundo físico com o entorpecimento das nossas faculdades mentais por caminhos diversos de alienação. Nelas, nos convencem subliminarmente de que a nossa capacidade de mudar a realidade deve ser canalizada apenas na esfera política e econômica. Para ganho de escala, digitalizaram as relações humanas, conectando a comunicação banal e desconectando o afeto, formatando seres humanos sem humanidade, amigos sem amizade e família sem familiaridade. Ostenta-se apenas o rótulo de uma marca tradicional numa garrafa vazia. E nós nos encarregamos de promover socialmente, o que artificialmente nos tornamos.
Nesse cenário de pão e circo, atualizado pelo software do consumismo e da distração virtual, vivemos a ilusão do engajamento social – sendo aplaudidos por “likes” e vaiado por “dislikes” – com inserções de pautas sociais necessárias, mas que se perdem pela falta de consistência moral do indivíduo, em uma base sólida de valores humanísticos e espirituais.
Sobre essa esteira, confeccionada com individualismo, ambição e vaidade, trafegam falsos portadores de soluções para as misérias humanas, valendo-se do domínio econômico, da sedução intelectual e da manipulação do medo de uma humanidade que não quer ser órfã de pai, para continuar saboreando a chupeta da ignorância existencial e engatinhar eternamente, sem ativar a potência de nossas próprias pernas.
Colocar a humanidade em uma marcha progressiva de igualdade social não passa, em primeiro plano, pela imposição de sistemas econômicos, adotando-se regimes liberais ou estatizantes, capitalistas ou socialistas, mas, antes, pela transformação do humano em um ser mais evoluído na sua capacidade de se enxergar individual e coletivamente, interrelacionado com absolutamente tudo o que há.
Através do autoconhecimento e da humildade de nos reconhecermos como uma peça não imprescindível, mas valiosa dentro dessa imensa engrenagem cósmica, transcendendo o funcional e deteriorável corpo físico, é que daremos passos mais precisos rumo à evolução da raça humana.
Os sistemas políticos e econômicos é que devem servir aos propósitos elevados de uma humanidade conectada ao todo pela consciência – através do estupendo equipamento wireless, mente e cérebro – e não o contrário.
Quando tivermos um alicerce de valores humanos coadunados com a vastidão da nossa consciência, que contemple direitos universais, como liberdade individual em harmonia com o bem coletivo, igualdade social ponderada por fatores de produtividade e mérito (em condições equânimes ou por dispositivos de reequilíbrio), e fraternidade indistinta, superando fronteiras de nacionalidade, credo, gênero e cor de pele, nos livraremos das algemas dos combos ideológicos.
Esquerda e direita serão páginas anacrônicas de uma nova história com um recomeço feliz, superando o materialismo cru que até então tem balizado esse conflito por poder e a nossa caminhada bêbada, em que nos esbarramos gesticulando o ódio e proferindo palavras clichês de polarização político-ideológica, ininteligíveis à sabedoria.