“As redes sociais deram voz a uma legião de imbecis.”
Ooops! Desculpa aí, seu Umberto Eco.
Gratidão, internet!
Sorvo o primeiro gole seco de café como se fosse uma talagada de uísque. Depois, vou saboreando pouco a pouco como um vinho bom. A idade e o passivo alcoólico, tatuados no meu fígado e rins, lembram que esse é um dos poucos prazeres gustativos que ainda posso ter. Pelo menos até que o meu médico urubu casse esse direito também, sabe-se lá por qual alegação. Talvez por causa da ansiedade gerada pela cafeína. Ansiedade… como se eu tivesse interesse em antecipar o futuro. Fiz isso a vida inteira, mas agora quero mais é que ele fique longe. Vá seduzir a atenção dos jovens! Dos que têm tempo a perder! Não a minha, que já desperdicei no passado. Agora só gasto minha atenção com o tempo presente, nem com o futuro. Pensando bem, não tem muita diferença. É sempre o mesmo tempo. A gente é que se desloca nele.
Minha balada matinal se completa com a internet. Essa nova dimensão em que vivemos. Protestamos. Choramos. Xingamos. Rimos. Filosofamos. Deslizo os dedos pelo tablet que meu neto me ensinou a usar e vou passeando pelas notícias do Brasil e do mundo. Relações internacionais. Colunas políticas. E fofocas. Depois, entro em algumas redes sociais e meu estômago embrulha. Todo mundo querendo parecer melhor do que é. Postando frases e textos de autores que nunca leram, ou de autoria duvidosa, apenas para impactar. E as frases espiritualizadas? Gratidão pra cá. Gratidão pra lá. Biscoiteiros do caramba! Conheço pessoalmente uma boa parte dos donos desses perfis dissimulados. Se alguém se dispusesse a me ouvir, eu poderia passar uma semana inteira dedurando certos passados nebulosos e mesquinhos. E as fotos? Todo mundo bonito e simpático. Por isso eu coloquei uma fotografia em que estou bem apagadinha, quase camuflada entre flores. Eu sei que os que olham são apenas os da minha geração mesmo, e que logo pensariam: “Essa véia tem mais ruga que o meu fiofó e tá aí parecendo uma mocinha. E o histórico? Foi uma porra-louca de carteirinha. Militante trotskista! Dava mais que chuchu no morro e comia maconha com farinha!” Tudo PURA INVENÇÃO, lógico! Povinho preconceituoso, cheio de estereótipos caretas na cabeça, mas eu sei que diriam isso.
Por causa da maledicência alheia é que me exponho pouco. Quando quero berrar minha indignação ou externar meus demônios uso um perfil fake e soco o bambu! Esculacho. Despejo todas as palavras do meu cofre de baixarias, onde guardo raivas e ignorâncias. E nessa andança digital vou vivendo a vida de mentirinha que substitui a minha própria vida, solitária, em que não interajo mais porque os outros estão engolidos pelos celulares.
Umberto Eco já disse que as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis, e sei que ele tem razão, mas eu faço parte dela. Sou a idiota da aldeia quando não tenho capacidade de analisar as coisas de forma mais profunda. É que tem coisa que ainda não aprendi. Daí me atolo no quadrado dos meus sentimentos comezinhos, no meu conhecimento raso, porque é impossível dominar todos os assuntos com os quais a internet me atordoa. Sou também a idiota urbana que achincalha quando está estressada. Mas juro que tento manifestar nessa existência virtual minhas grandezas, meus grãozinhos de sabedoria. O que tá lá plantado na minha hortinha interna. O que aprendi da vida profissional que um dia tive. Do ativismo político. Das putarias em que me meti. E o que é melhor: não preciso pedir licença a nenhum intelectual. Bando de pedantes e ignorantes das dores reais do mundo. E nem engolir os especialistas de porra nenhuma, que conseguem ser ainda piores. Não preciso mais ser a audiência passiva de televisão, hipnotizada pela performance canastrona de muitos. Me esforço, é bem verdade, para não repassar informações falsas porque mesmo tendo minhas imbecilidades, também tenho meus critérios, meu alicerce moral.
Se eu cancelo? Isso é tão antigo quanto espiar a vida alheia. Eu mesma já cancelei muita gente antes da internet existir! Aliás, boicotar quem projeta nossas sombras é até questão de saúde quando não estamos preparados pra encarar. Por falar em fuçar a vida dos outros, ainda bem que hoje em dia se faz isso mais pelas redes sociais. Daí se inventa uma vida perfeita, glamourosa, aventureira. Uma aura de moralidade e bondade irrefutável. Só para enganar a gente mesmo.
Assim como na vida cotidiana, minhas personas me dão fôlego para viver também na internet. Se sou tantas vezes o que sei que não sou, por que seria diferente na esfera digital? Por que mostraria um eu que nem sei se sou ou libertaria o eu que sou e que na realidade escondo? Por que demonstrar uma bondade que ainda não tenho? Pois se já a tivesse por que criaria uma persona do mal? Minha vida na internet vai refletir o conteúdo que tenho, ou alguém acha que o avatar que criamos tem o poder de mudar o que somos?
Termino o meu navegar impreciso na internet – e o longo café da manhã – disfarçando a senhorinha perspicaz e malvada que sou com a minha carinha bonachona de vovó. Mando tchauzinhos e beijinhos para quem passa pela cozinha e finalizo enviando por whatsApp váaaaarios “bom dia” com frases iluminadas e lindas paisagens para pessoas que eu não tenho a me-nor vontade de encontrar pessoalmente.